Mesmo assim, nem todo mundo parece pensar dessa forma. Prova de que os conflitos com a igreja que o médium teve ao longo de sua trajetória não acabaram, a produção foi impedida de filmar dentro de um templo no interior de Minas Gerais, onde ele nasceu. “As portas da igreja estão fechadas para Chico Xavier”, teria dito um sacerdote à equipe, segundo lembrou o diretor. A solução foi construir o cenário em estúdio.
À frente do projeto desde o começo, em 2004, Daniel a princípio seria só o produtor. A insistência dos distribuidores – Downtown Filmes e Sony Pictures – para que ele assumisse a direção acabou dando resultado, em boa parte pela amizade de Daniel com o veterano produtor de TV Augusto César Vannucci, espírita devoto. “Desde que tenho ‘autonomia de voo’, há 25 anos, escolho o que faço. Essa foi a primeira vez em que fui escolhido.” E aí começa uma história interessante.
O jornalista Marcel Souto Maior, autor da biografia “As Vidas de Chico Xavier”, que deu origem ao filme, conta que na primeira vez que encontrou o médium em Uberaba (MG), na sede da entidade mantida por ele, ainda na década de 1990, viveu algo que batizou de o “fenômeno das lágrimas inexplicáveis”: cético, ateu, nunca acreditou em qualquer religião, mas ao se ver a dois metros de Chico Xavier, percebeu que lágrimas escorriam fortes por seu rosto, mesmo que ele não estivesse sentindo qualquer emoção.
Decepcionado, passou anos repetindo o caso, apesar de ninguém acreditar. Pois a mesma coisa aconteceu com Daniel Filho quando ele contou à sua mulher que ia dirigir o filme – uma enxurrada sem qualquer motivo brotou de seus olhos. “Quando as lágrimas inexplicáveis escorreram pelo rosto do diretor cético, um ciclo se fechou”, disse.
Isso porque Daniel também é ateu (apesar de ter frequentado por 11 anos um terreiro de umbanda). Nas entrevistas de divulgação do filme, é constante a pergunta se a experiência com a temática espírita mudou a opinião do diretor. Ele garante que não. “Hoje, todo mundo é obrigado a fazer declarações sobre sua opção sexual, mas nunca imaginei que seria cobrado por minha opção religiosa”, afirmou.
“Sou ateu, mas sou um homem de fé. Já rezei na igreja, fui umbandista. Mas se acontecer alguma coisa, como todo brasileiro posso me voltar para a religião, não sei se não iria até para uma tribo da selva amazônica tomar chá de raiz”, defendeu, se referindo à polêmica recente do Santo Daime. Além disso, Daniel lembrou que a forte educação católica de Chico, que o acompanhou a vida inteira, poderia ser outra. “Se ele tivesse tido uma opção, talvez fosse budista, pelos ideais de bondade, por exemplo.”
Com orçamento de R$ 12 milhões, “Chico Xavier” estreia no dia 02 de abril, centenário do médium, Sexta-feira Santa, aniversário de Souto Maior. A data é, de acordo com a equipe, uma coincidência, que com certeza não deve prejudicar o desempenho do filme, previsto para entrar em cartaz em até 400 salas do País. O executivo Rodrigo Saturnino, da Sony, se recusa a fazer estimativas. “O nosso papel é dar condições para que o filme atinja seu potencial. Há uma grande campanha de lançamento”, garantiu.
Do total arrecadado nas bilheterias, 10% será revertido para o Centro Espírita Casa da Prece, em Uberaba. Indagado sobre o fato de obter lucros com a imagem de alguém que doava todos os direitos de seus livros para instituições de caridade, o distribuidor Bruno Wainer, da Downtown, fez questão de ressaltar que se trata também de negócio. “O cinema é uma indústria, com investidores. São assuntos que não devem ser misturados. [A doação] é um gesto de extrema generosidade. Nossa função é levar essa mensagem do Chico de bondade, amor, para o maior número de brasileiros.”
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